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Grupo N’Gola Ritmos foi uma das trincheiras no despertar da luta angolana

Publicada em: 09/09/2025 13:41 -

O grupo N’Gola Ritmos foi “uma das trincheiras” no despertar da luta de libertação angolana, com a transcrição de ritmos e danças angolanos para as violas a esboçar uma identidade nacional e um género que seria baptizado de Semba.

Ao mesmo tempo que o músico Liceu Vieira Dias dava os seus primeiros passos na música, anos antes de ajudar a criar o projecto N'Gola Ritmos, Luanda começava a mudar.

A elite local, da qual fazia parte, era gradualmente empurrada para fora da baixa da cidade para dar lugar a uma nova vaga de imigração portuguesa, que ocuparia o Bairro das Ingombotas e atirava a elite para zonas mais periféricas, nomeadamente o Bairro Operário (também conhecido como B.O.).

Ao mesmo tempo, o movimento nacionalista angolano crescia, cruzando-se com a própria história da formação dos N'Gola Ritmos, que ganharam forma no B.O., centro da actividade cultural da elite local e onde cresciam as aspirações da independência, conta à agência Lusa Jomo Fortunato, historiador da música angolana e antigo ministro da Cultura.

Segundo o especialista, os primeiros passos do grupo dão-se em tardes de Sábado e Domingo, em meados dos anos 40, na casa do nacionalista Manuel dos Passos.

O grupo, tido como precursor do semba, surge em 1947, a cantar composições em quimbundo, resgatando sonoridades que Liceu Vieira Dias ouvia a sua mãe e avó cantar, mas também das viagens em que acompanhou o pai, funcionário público, ao interior de Angola, conta à Lusa a historiadora americana Marissa Moorman, autora do livro "Os Sons da Nação – História Política e Social da Música Urbana de Luanda".

Conhecedor de música brasileira e afro-americana, Liceu Vieira Dias bebia também de toda a cultura da Luanda daquela altura, marcada pelos carnavais e pela massemba, ritmo que era "dançado na rua, nas tardes de recreio e noites de luar" e que tinha o nome de kazukuta quando assumia um compasso acelerado, acrescenta Jomo Fortunato.

Do N'Gola Ritmos que teve vários membros ao longo da sua história, formou-se um núcleo essencial do conjunto, composto por Liceu Vieira Dias, Euclides Fontes Pereira, Amadeu Amorim, José Maria e Nino N'dongo, a que se juntaram também Belita Palma e Lourdes Van-Dunem, afirma.

Mário Rui Silva, músico angolano que morreu em 2024, dizia em entrevista ao historiador brasileiro Washington Nascimento que Liceu Vieira Dias, face à mestria com que dedilhava a viola "com os dedos da mão direita", foi "catalisador de um processo já em curso" ao ajudar a transcrever o kazukuta e a massemba para a guitarra.

Jomo Fortunato acredita que essa transcrição deu origem à "batida descompassada" que viria a marcar o género musical que seria baptizado de semba.

Apesar das mensagens políticas nas músicas que cantavam, a dimensão estética das canções também se assumiu como acto de resistência, como "bibliotecas sonoras que trazem histórias, sons, danças e corporalidades" de diferentes universos do que era Angola, afirma à Lusa Washington Nascimento, autor do livro "O Semba Vai à Luta".

"Não havia festas em Luanda dos anos 1950 e 1960 em que não tocassem canções deles – festas nos musseques, mas também no asfalto e nos clubes da elite angolana", nota.

O irmão de Jomo Fortunato, António Fortunato, que viria a integrar os Kibamdas do Ritmo nos anos 50, recorda-se, numa entrevista, de que ouvir o grupo cantar pela primeira vez provocou-lhe "um sentimento extremamente envolvente".

"Pela primeira vez, eu ouvia música angolana cantada na língua quimbundo e pela primeira vez ouvia música angolana tocada à viola, ao tambor e ao reco-reco. Fiquei extasiado", disse.

Entrevistado pela historiadora Marissa Moorman, Amadeu Amorim afirmou que as letras dos N'Gola Ritmos não eram apenas uma forma de dizer não ao regime colonial, mas também uma forma de dizer "sim" – de afirmar e de produzir uma angolanidade.

Num documentário sobre Liceu, o mesmo músico recorda que a canção "Muxima" acabaria por se transformar "numa trincheira de luta" e as emissões do Angola Combatente, do MPLA, passavam a abrir com canções dos N'Gola Ritmos.

A associação entre o grupo e a luta de independência – alguns concertos eram apenas pretexto para trabalho clandestino do movimento – levaria às prisões de Liceu Vieira Dias e Amadeu Amorim pelo regime colonial português, de 1959 a 1961.

Para Marissa Moorman, N'Gola Ritmos não é o princípio e o fim da história da intersecção entre música e política em Angola antes da independência, mas um arranque de uma ligação que se mantém e que se electrifica a partir dos anos 60, num movimento também ele alimentado pelas mudanças que se faziam sentir em Luanda.

N'Gola Ritmos, que apareceria na RTP e que seria editado em vinil, dava uma espécie de pontapé de saída de um novo som, lançando canções que hoje são quase uma espécie de 'standards' da música angolana.

Se o jazz tem "My Favourite Things" ou "Summertime", a música angolana terá "Muxima" e "N'biri Birin", duas canções do repertório dos N'Gola Ritmos.

LUSA/VERANGOLA

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